A aposentadoria especial é
sem dúvidas um benefício previdenciário atrativo aos segurados, posto que é um
dos únicos em que a renda mensal inicial equivale a 100% do
salário-de-benefício. Também conta com requisitos de tempo de contribuição
diferenciados, variando entre 15, 20, e 25 anos de tempo de contribuição.
Talvez sejam esses os motivos de ser um dos benefícios previdenciários de
acesso mais restrito atualmente existente.
Se analisada a evolução
legislativa da aposentadoria especial, torna-se evidente que a proteção social
deste benefício sofreu declínios impactantes. Até 28/04/1995, a aposentadoria
especial teve seu auge. Existiam duas hipóteses de concessão, sendo:
i) a por simples
enquadramento da categoria profissional do segurado entre as listadas pelo
Poder Executivo nos Decretos 53.831/64 e 83.080/79, e;
ii) a por exposição do
segurado a condições prejudiciais à saúde ou integridade física (sujeição a
agentes nocivos);
Ainda, em tal período era
possível a conversão de tempo de contribuição ordinário, não-especial, em tempo
de contribuição especial, o que, por sua vez, acabava por estender o alcance do
benefício àqueles que não restaram por toda a vida laboral em trabalhos
reputados como especiais. O benefício também era concedido considerando os intervalos
de tempo em que o segurado trabalhava sem ensejo à especialidade, sendo tais
períodos de tempo de contribuição comum reduzidos pela aplicação do fator de
multiplicação 0,71 (71%).
Após a data de 28/04/1995, a
Lei de Benefícios da Previdência Social (Lei 8.213/91) sofreu drástica reforma
nas disposições que regulavam a aposentadoria especial com a superveniência da
Lei 9.032/95.
O então novo diploma legal
modificou a redação do artigo 57 da Lei 8.213/91, excluindo de seu texto a
possibilidade de enquadramento profissional para fins de concessão do
benefício, como também mudando o parágrafo 3º, inviabilizando a conversão de
tempo comum em tempo especial para o cumprimento do requisito temporal
necessário à concessão da aposentadoria especial.
Foi um duro golpe à
abrangência do benefício. Uma infinidade de segurados, que antes teriam direito
à aposentadoria diferenciada, foi excluída do alcance do benefício de forma
abrupta, não tendo mais qualquer chance de beneficiar da aposentadoria
especial. Segue abaixo representação gráfica da relação de benefícios de
aposentadoria especial concedidos entre 1994 e 2014, conforme os dados
estatísticos fornecidos pelo Ministério da Previdência Social¹:
O Declínio da aposentadoria
especial
Analisando o gráfico, salta-se
aos olhos a enorme redução na concessão do número de benefícios a partir do ano
de 1995, ano em que a Lei 9.032 foi publicada, passando de 38.255 benefícios
concedidos para 15.226 em um intervalo de um ano.
Ainda, o número se manteve
abaixo de 1.000 benefícios concedidos anualmente durante os anos de 2000 a
2005, o que demonstra de forma patente a enorme restrição imposta aos segurados
do Regime Geral de Previdência Social.
Em consequência, numerosos
dissídios entre os segurados e o Instituto Nacional do Seguro Social vem se
sucedendo, o que causou tímido aumento na concessão de aposentadorias especiais
notado a partir do ano de 2005, decorrente da judicialização da relação
jurídica Segurado-Previdência Social.
Aos segurados, a mudança
abrupta dos critérios passíveis de concessão da prestação social só pode ser
aplicada após o início de vigência da Lei 9.032/95, sendo o tempo de
contribuição anteriormente exercido protegido pelo princípio do tempus regit
actum - a norma aplicável é a vigente à época do exercício do ato.
Ao Instituto Nacional do
Seguro Social, a aplicação da mudança legislativa, especificamente no que toca
à possibilidade de conversão de tempo de contribuição ordinário em tempo
especial para fins de aposentação, deveria ser ex tunc, isto é, retroagindo
indefinidamente no tempo.
Por tempos, os Tribunais
pátrios decidiram favoravelmente aos segurados, reputando como ex nunc os
efeitos advindos pela Lei 9.032/95 e, em consequência, entendendo pela
possibilidade de conversão do tempo de contribuição comum, em que o segurado
não se sujeita a exposição de agentes nocivos à saúde, em tempo de contribuição
especial. Existia vasta jurisprudência dos Tribunais nesse sentido.
Com a passagem do tempo e a
popularização da tese que defende a possibilidade de conversão, o número de
processos em que se discutia o tema se tornou grande o suficiente para que o
Superior Tribunal de Justiça passasse a julgar a matéria em rito de recursos
repetitivos. Foi escolhido o Recurso Especial nº 1.310.034-PR, oriundo do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, para tramitar representando a controvérsia.
Nesse ponto, é de se
ressaltar que o próprio STJ, até então, sempre se posicionou pela possibilidade
da conversão do tempo de contribuição comum em especial, pois seguia a tese de
que sobre o tempo de contribuição se aplica o princípio do tempus regit actum.
Com o julgamento iniciado em
2012, o voto do relator Ministro Herman Benjamin seguiu a linha de
posicionamento dos Tribunais pátrios e que até então o próprio STJ havia adotado,
reiterando assim a possibilidade da conversão do tempo de contribuição. E a 1ª
Seção, em que tramita o referido recurso, ainda em 2012, convalidou por
unanimidade o voto do relator.
Mas, da mesma forma como a
Lei abruptamente ceifou o direito de milhares, quiçá milhões de segurados à
aposentadoria especial, o Superior Tribunal de Justiça mudou radicalmente seu
entendimento. No mesmo processo, neste ano de 2015, a 1ª Seção, em julgamento
de embargos de declaração opostos pelo INSS, reviu o entendimento proferido
anteriormente e considerou como impossível a conversão do tempo de contribuição
para fins de concessão de aposentadoria especial. Do seu voto se extrai a
seguinte citação:
“No presente recurso representativo da
controvérsia, repita-se, o objeto da controvérsia é saber qual a lei que rege a
possibilidade de converter tempo comum em especial, e o que ficou estipulado
(item "3" da ementa) no acórdão embargado é que a lei vigente no
momento da aposentadoria disciplina o direito vindicado.
Tal postulado se justifica pelo fato de que,
embora a natureza especial do labor seja regida pela lei vigente ao tempo da
prestação do serviço, a aposentadoria é expectativa de direito e sobre esse
aspecto é consabido que não há direito adquirido a regime jurídico. Em outras
palavras, somente com a reunião dos requisitos da aposentadoria é que será
possível constatar o direito à conversão do tempo de serviço comum em
especial.”²
Como é de se notar do
pequeno excerto acima, o voto acolhido por unanimidade pela 1ª Seção do STJ
mudou completamente de entendimento. A matéria, ao ver do STJ, passou a não se
referir mais aos direitos atinentes ao tempo de contribuição, e sim ao direito do
próprio benefício de aposentadoria especial, e, em tal caso, seria a hipótese
de aplicação da regra vigente ao tempo da reunião dos requisitos, e não a
vigente durante o tempo de contribuição.
Antes mesmo de ser publicada
tal decisão, alguns dos Tribunais Regionais Federais passaram a adotar o novo
entendimento do STJ, negando, por consequência, a possibilidade de conversão de
tempo de contribuição comum em especial.
Diante de tal cenário
confuso, é de se realizar o seguinte questionamento: como um Tribunal que é o
Superior Tribunal de Justiça, se contradiz em um
processo que representa e
decidirá a controvérsia em milhares de processos que tratam do tema de
conversão de tempo especial? Ora, é de se considerar que uma das hipóteses de
cabimento do próprio recurso especial é a divergência jurisprudencial entre
Tribunais. Assim, como pode um recurso que é voltado para unificar a
jurisprudência causar mais turbulência a uma questão jurídica complicada e
delicada.
A mudança ocorrida demonstra
apatia social e irresponsabilidade processual, atacando violentamente a
segurança jurídica de diversos jurisdicionados que terão, compulsoriamente, que
se sujeitar ao entendimento controverso do STJ. Informa-se que o referido
Recurso Especial representativo de controvérsia ainda não transitou em julgado,
podendo, embora seja agora improvável, acontecer novamente uma reviravolta como
a ocorrida.
Por fim, a aposentadoria
especial vem sofrendo seguidos golpes, ora proferidos pelo Poder Legislativo
que aprova normas que na maioria das vezes restringe o acesso ao benefício
previdenciário, ora proferidos pelo Poder Executivo, que em exercício do poder
de regulamentação, por vezes torna ainda mais restrito o acesso ao benefício,
e, como exposto neste artigo, ora proferidos até pelo Poder Judiciário que, ao
contrário do disposto na Constituição Federal, acabou por agravar a insegurança
jurídica já existente pela sucessão de contradições.
Assim, agonizando aos
poucos, a aposentadoria especial ruma a um velado e silencioso fim.