Em 2015, déficit da categoria era de R$ 32,5 bilhões, ou 45%
do rombo da União.
RIO - Os militares respondem
por quase metade do déficit da previdência da União, embora representem um
terço dos servidores. Cálculos feitos pelo ex-secretário da previdência e
consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados Leonardo Rolim mostram que, em
2015, o déficit dos militares era de R$ 32,5 bilhões, ou 44,8% do rombo de R$
72,5 bilhões da previdência da União, enquanto o déficit dos civis era de R$ 40
bilhões. Só que o número de militares no país — na ativa, na reserva e já
reformados — é de 662 mil ou apenas 30% do total de 1,536 milhão de servidores.
As contas de Rolim consideram
como aposentados os militares que estão na reserva e os reformados. Os
militares, no entanto, só incluem pensionistas e reformados no cálculo pois
argumentam que quem está na reserva pode ser chamado para trabalhar.
Pelas projeções, o déficit dos
militares aumentará lentamente ao longo das próximas décadas, até 2090,
enquanto o dos civis crescerá fortemente nos próximos anos mas, a partir de
2040, começará a cair. O desempenho é reflexo das mudanças que já foram feitas
nas regras de aposentadorias para servidores civis: aqueles que entraram depois
de 2003 não se aposentam mais com 100% do salário final — mas com 80% da média
dos últimos dez anos — e os servidores também têm idade mínima de
aposentadoria, de 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens).
Já os militares viram acabar a
pensão para as filhas solteiras — no caso dos que ingressaram na carreira após
2001 — mas não têm idade mínima de aposentadoria e vão para a reserva com 30
anos de contribuição. Além disso, a contribuição previdenciária dos militares é
de apenas 7,5% do salário bruto, contra 11% dos civis.
— Os militares se aposentam
pelo salário final e, em alguns casos, ainda ganham uma patente quando vão para
a reserva. Com isso, o inativo militar ganha muito mais do que aquele na ativa.
Isso torna a previdência dos militares uma bomba — afirma Leonardo Rolim.
Há várias questões em jogo: a
necessidade de preparo físico é uma explicação, na visão dos militares, para
não concordarem com a exigência de uma idade mínima. Outro aspecto é o salário
menor que o de outras carreiras públicas. E os números comprovam isso: a média
é de R$ 6.056, enquanto no Executivo é de R$ 8.401; no Legislativo, de R$
18.991; e no Judiciário, de R$ 19.101.
MAIS PATENTES PARA ALONGAR
Já na reserva, o fuzileiro
naval Moisés Queiroz diz reconhecer a gravidade da situação da previdência e se
mostra aberto a possíveis mudanças, como o aumento da alíquota de contribuição
para a previdência, de 7,5% para 11%. Mas é contra o aumento da idade mínima
para aposentadoria. Hoje com 52 anos, foi para a reserva assim que completou 30
anos de serviço e trabalha como consultor. Ele lembra, no entanto, que, mesmo
na reserva, o militar pode ser convocado a trabalhar, como ocorreu recentemente
na Olimpíada. E argumenta que o militar não pode trabalhar por mais tempo
porque dele é exigido um preparo físico que se torna mais difícil de ser
mantido depois desses 30 anos.
— É difícil falar sobre o que
não se sabe direito que pode ocorrer, mas é preciso um tratamento diferente
para quem não é igual. Os 30 anos de serviço do militar correspondem a 45 anos
de serviço dos demais, se somados todos os períodos a mais que trabalhamos —
diz Queiroz.
Para o professor da
Universidade Candido Mendes e especialista em previdência Paulo Tafner, no
entanto, o argumento do preparo físico não pode ser usado. Ele reconhece que um
sargento não pode ter a mesma função física que tinha aos 30 anos, por exemplo,
mas que é possível se manter ativo em outras atividades, como treinamento e
coordenação. Por isso, destaca a importância de mudanças na carreira militar
para permitir que eles trabalhem por mais tempo.
— A carreira dos militares vem
de um período em que havia muitas guerras e as pessoas morriam cedo. É preciso
ter um entendimento de que é necessário ficar mais tempo na ativa. Por isso, é
preciso mudar a carreira militar — afirma Tafner, que sugere, por exemplo, a
inclusão de uma ou duas patentes, de maneira a permitir o alongamento da
carreira militar.
Sobre a questão dos salários,
Rolim admite que o rendimento dos militares é menor, mas defende que a
defasagem salarial não deve ser resolvida pela previdência:
— As pessoas ainda têm a visão
no Brasil de que a aposentadoria é um prêmio. Aposentadoria não é prêmio para
justificar baixo salário ou trabalho mais duro.
Entre especialistas, há quem
defenda a manutenção de um regime diferenciado de previdência, mas que possa se
aproximar dos demais trabalhadores, como mais anos de serviço. Enquanto outros
são a favor de um regime único de previdência, que reúna trabalhadores do setor
privado e servidores públicos civis e militares.
— Os privilégios não são
exclusividade dos militares, também se mostram entre outros servidores,
juízes... Há particularidades da carreira militar que justificam diferenças na
previdência, o regime diferenciado não é exclusividade do Brasil. Mas é preciso
fazer ajustes, é preciso um regime mais adequado à realidade — afirma Paulo
Tafner.
Helio Zylberstajn, professor da
FEA/USP, é a favor de um regime único, e que militares tenham a mesma idade
mínima de aposentadoria que os civis, de 65 anos. Se a questão da saúde é um
problema, ele sugere que os militares possam trabalhar até mesmo em outras
áreas, como os civis, para conseguirem chegar aos 65 anos:
— Os militares são parte do
problema da previdência e devem entrar na reforma.
Segundo militares, o clima é de
preocupação nas tropas. O fuzileiro naval José Bonifácio Bezerra Junior, com 45
anos e 28 anos e seis meses de serviço militar, diz que há muitas dúvidas sobre
o que está em jogo e condena qualquer mudança nas regras de aposentadoria da
categoria. Ele lembra que o militar deve estar disponível para viajar o tempo
todo e não tem direito a hora extra. Também não pode decretar greve.
— Temos que estar sempre
disponíveis, trabalhamos sem qualquer direito a hora extra. O governo deve
pensar em outros instrumentos, como cortar secretarias, para resolver a questão
da previdência. O dinheiro está sendo mal administrado, o problema é de
administração dos recursos públicos — afirma Bezerra Junior.
SEM HORA EXTRA E ADICIONAL
NOTURNO
Procurado, o Ministério da
Defesa afirma que “os militares das Forças Armadas já contribuíram de forma
significativa com a redução das despesas com pessoal ao longo dos anos. A
reforma de 2001 pôs fim a uma série de direitos dos militares, dentre os quais
o adicional de tempo de serviço, a licença especial, o auxílio-moradia e a
pensão para filhas. Com isso, o país registra desde então redução progressiva
nos custos com inativos e pensionistas”.
Segundo as contas do
ministério, a parcela do PIB (Produto Interno Bruto) gasto com o sistema de
proteção social dos militares deve cair de 0,56% em 2016 para 0,42% em 2024 e
0,33% em 2028. “Dessa forma, é incorreto afirmar que exista um déficit na
previdência dos militares”, diz o ministério em comunicado.
O Ministério da Defesa afirma
ainda que as Forças Armadas são usadas em ações subsidiárias, cujo custo seria
elevado para a União, caso os militares tivessem direito a receber horas extras
e adicional noturno, citando eleições, eventos esportivos de 2014 e 2016, apoio
em desastres naturais e “a garantia da lei e da ordem em alguns estados da
Federação e outras atividades imprescindíveis para o país”.
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Segundo a nota, o “Ministério
da Defesa e as Forças Armadas compreendem a preocupação do governo em reduzir o
déficit previdenciário. No entanto, é preciso levar em conta que as
peculiaridades da carreira militar demandam um tratamento distinto em relação
aos servidores civis”.
Fonte: O Globo