Greve no Serviço Público
Existe base jurídica a ser sustentada para evitar o corte de salario
A Constituição Federal, em
seu artigo 37, inciso 'x', dispõe que, a remuneração dos servidores públicos
deverá ser "revisada de forma anual, sempre na mesma data e sem distinção
de índices", isso para que lhe seja preservado o valor real da moeda, ou,
o poder atuarial, nos emprestando da expressão do art. 40. Mas, afinal, o que é
isso? Bem, existe um 'monstrinho' econômico chamado 'inflação', que faz com que
os preços dos insumos e bens de consumo sofram, todos os anos, majoração
considerável, e com isso, o poder de compra dos brasileiros acaba sendo
demasiadamente mitigado. Também é por este justo motivo, que todos os anos
deveriam ocorrer os denominados 'reajustes reposicionais da perda salarial dos
servidores', os quais, digam-se de passagem, são tão comuns como a famigerada
piada da cabeça de bacalhau.
O problema é que o reajuste
dos servidores públicos - assim como ocorre com aposentados e pensionistas -
jamais acompanha o salário mínimo nacional, nem tão quanto acompanha o índice
médio de inflação. Com isso, os preços dos bens consumíveis como alimentação,
combustível, prestação de serviços básicos como água, energia, telefone,
assistência à saúde, educação, são elevados a um certo percentual pecuniário
bem considerável, todavia, a fonte de custeio desses produtos permanece inalterada,
sem qualquer modificação ou recomposição, e assim, o comando constitucional
antes referido é desrespeitado, iniciando-se o chamado processo de 'defasagem
salarial' - onde o provento termina antes do próprio mês - mal cobrindo as
despesas básicas do indivíduo.
Aquele valor pecuniário que,
apesar das dificuldades, antes custeava todas as suas necessidades, agora passa
a não custear nem a metade delas. Imaginemos o seguinte exemplo: Um servidor
que recebe mil reais mensais, gasta quinhentos com alimentação, trezentos com
moradia, cem reais com água e outros cem reais com energia. Por óbvio que esse
indivíduo não tem um plano de saúde, seu filho estuda em escola pública, e usa
normalmente o SUS, sem contar que entretenimento para ele significa levar a família
uma vez por mês na sorveteria do 'Seu Denga' - nosso personagem fictício - com
direito a uma bola para cada um, e se muito encher o raio da paciência, leva um
picolé agroselhado pra casa e nada mais.
Agora, imagine que se
passaram três anos, a água subiu para cento e cinquenta reais, a luz que antes
era cem reais, foi para duzentos, e a feira do mês passou a somar setecentos
reais. O proprietário da casa, por sua vez, resolveu aumentar o aluguel para
quinhentos reais, afinal, as despesas dele também subiram e ele precisa
descontar em alguém. Até o 'seu Denga' - o velhinho faceiro da praça - subiu o
preço dos picolés! Não tá mesmo fácil pra ninguém, é verdade! Agora, esqueçam o
velho Denga, e observem, que esse servidor permaneceu a receber exatamente os
mesmos mil reais de salário de três anos atrás, por outro lado, as suas contas
agora já somam um total de 'um mil e quinhentos e cinquenta reais'. É Como um
outro dia desses ouvi do próprio 'Denguinha - no auge de sua aprumada
sabedoria: "(...) Olha meu rapaz, conta é assim mesmo - rende mais que
endividado em dia de REFIS".
Ao retornar pra casa -
fazendo questão de esquecer todas aquelas falas do otimista velhinho - a
solução encontrada por esse servidor, em regra, tem como premissas básicas a
adoção de condutas psicóticas e desesperadas do tipo 'começar a apagar todas as
luzes da casa - mesmo quando há pessoas na sala de televisão -, recolher água
do banho num balde para lavar a garagem; nada de chuveiro quente e, passar
roupas, apenas uma vez na semana; substituição do arroz e feijão por um de
menor qualidade; ao invés de carne vermelha, asas e sobrecoxas de frango, e
porque não ovos cozidos durante toda a semana?! Não - nada disso resolve o
problema do esmagamento financeiro familiar. Ele então resolve deixar o seu
'Gol ano 2004/2005' na garagem (cor prata, com um belo adesivo clássico do tipo
'vende-se' - que por sinal, fora impresso por ele mesmo usando uma folha A4 e a
sua velha HP1000 - tossindo as últimas gotas de tinta que lhe restaram), e
passa, por fim, a usar apenas a 'motocicleta', visto ser esta mais econômica -
dentre outras desculpas para não admitir a gravidade da coisa - que aliás - só
ele e o gerente do banco, o sabem.
Ademais as tentativas
fracassadas não tenham surtido efeito algum, o nosso amigo servidor resolve que
o melhor mesmo é deixar também a motocicleta na garagem, mesmo porque a
gasolina está um absurdo, e afinal, uma caminhadinha não faz mal a ninguém, e
assim, vai o nosso amigo servidor tentando apertar as suas novas despesas inflacionadas
dentro do seu mesmo salário de dois ou três anos atrás.
Entretanto, chega um
momento, que isso começa a ficar impossível de ser suportado, resultando num
verdadeiro efeito cascata, e este servidor acaba recorrendo a bancos e
financeiras, se endividando todo, e uma hora, muda os filhos de escola, aliena
o 'Gol 2005' assim como o faz com a velha motocicleta 125, sai da casa para uma
menor, e então decide que não dá mais pra viver dessa forma e precisa fazer
algo - se matar! - não, é brincadeira!
Nesse momento - o nosso
servidor, que antes mais parecia o 'gato pacato' do He-Man, encarna o
esqueleto, rouba o gato guerreiro, e, vestindo os seus trajes de guerra,
resolve procurar a sua entidades de classe. O Sindicato, por sua vez, tenta
negociar a situação com o Poder Público, mas este inflexível, alega as mesmas
'chorumelas' de sempre: as contas estão apertadas, a arrecadação foi menor que
no ano passado, os senadores precisaram trocar os seus carros, gastou-se muito
com o carnaval, as reformas superfaturadas engoliram a verba pública, os
desvios na merenda escolar ferraram com tudo, e infelizmente, não sobrou muita
coisa para o pessoal da 'linha de frente' - vulgos carregadores de piano - e a
partir daí, sem negociações, nasce a greve, temática que passaremos a tratar
mais especificamente no que tange aos cortes salariais durante o movimento
reivindicatório e a sua abusividade como forma de frustrar o referido direito.
O Tema greve, especialmente
no que tange aos 'servidores públicos' é um assunto ainda um tanto polêmico.
Primeiro porque, o art. 37, inciso VII dispõe que 'o direito de greve será
exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica', e segundo,
porque essa tão famigerada 'lei específica' nunca foi editada para regulamentar
o referido direito, e aí complicava tudo. É que houve um tempo em que se
acreditava que o servidor público não tinha o direito de greve, ou tinha mas
não podia exercê-lo! Pensa que tortura era isso, pior que não ter um direito, é
tê-lo mas não poder usufrui-lo - é tipo aquela menina que você gosta, mas diz
que quer ser apenas sua amiga - tão perto, tão longe, é verdade. Mas e aí, como
fica? Bem, a doutrina nos ensina que nenhum direito constante do texto
constitucional é destituído de eficácia constitucional, afinal, ele pode até
não ter eficácia plena, mas tem ao menos 'eficácia negativa', ou seja, de
impedir que normas ou mandamentos que contrariem o seu fim ingressem no
ordenamento jurídico e interfiram nesse direito de algum modo.
Pensando nisso, a nossa Corte
decidiu declarar a omissão legislativa quanto ao dever do nosso Congresso em
editar a referida lei que regulamentasse o exercício do direito de greve no
setor público e, por maioria, aplicar a este setor, no que couber, a lei
paredista do setor privado. O Entendimento do STF é de que a referida norma do
art. 37, VII, é uma norma de “eficácia limitada”, ou seja, só deveria produzir
'efeitos plenos' e práticos após regulamentada, todavia, dado o descumprimento
do dever legiferante por quase duas décadas, a nossa Corte resolveu descer o
'sarrafo', e disse: “se é para o bem do povo e da nação, eu legislo!”. Afinal,
alguém tinha que fazer alguma coisa, oras, mesmo porque já se iam quase vinte
anos sem essa atuação procrastinadora!
Bom, mas aí pairou outra
questão: então agora pode o servidor participar tranquilamente de uma greve sem
que o Governo corte o seu salário?
Essa resposta já não é tão
simples assim, pois, o STF seguindo o entendimento do Setor Privado ou
Celetista entendeu que, inequivocadamente, a greve é hipótese de 'suspensão do
contrato', e todo mundo sabe que essa ideia de suspensão de contrato é uma
tremenda coisificação do sentido técnico para se dizer, de modo cordial, que
você não irá receber coisa nenhuma! E aí, meu amigo, qual o sentido de poder
bater no peito, vestir sua camisa verde e amarela (sic) digo - preta com as
cinco letras garrafais em branco - embaixo de um sol escaldante de 40º, e poder
dizer: “eu sou roraimada! (sic) digo, eu sou paredista!” se no final das contas
vai acabar 'duro' e sem o dinheiro do leite das crianças! Realmente, não dá.
Nossa crítica é justamente
essa: ora, se o servidor público, em caso de ausência ao serviço por um, dois,
três ou até vinte e nove dias, sem justificativa, ainda assim, não deve ser
demitido, tendo como única e exclusiva punição apenas o corte de salário e uma
possível suspensão - que também significa ausência do trabalho, do salário, e
não contagem para fins de percepção de outros direitos -, qual seria então o
sentido da greve no serviço público? Já que as consequências são as mesmas do
instituto da 'falta injustificada' - ausência do trabalho, de salário, e não
contagem para fins de percepção de outros direitos -.
Qual a diferença do
'Instituto Constitucional da greve' para o 'Instituto legal da falta
injustificada'? Que benefício traria efetivamente?
A falta, como sabemos, não é
um direito puramente em si, mas a greve sim - e constitucional, diga-se de
passagem -, contudo, guardam tamanha similaridade que nos faz questionar se não
seriam praticamente a mesma coisa.
Poderíamos dizer que a falta
ininterrupta pode ser tolerada até os primeiros 29 dias consecutivos, já a
greve não tem prazo? Seria essa a distinção prática? Porque se entendermos
assim, não careceríamos criar um instituto a mais sem nenhuma valia prática,
bastando que fizéssemos uso do direito de reunião - já que a falta virá de um
jeito ou de outro.
Bem, a princípio, nos parece
tudo muito igual, e não vemos muita distinção e utilidade prática a ponto de
merecer a greve o elevado status de 'direito constitucional'! Poderíamos, como
já dito, até afirmar que a greve 'isenta' da punição de uma possível
advertência (que significaria 'ausência do trabalho, do salário e não contagem
para fins de percepção de outros direitos), todavia, os efeitos da falta
injustificada também são praticamente estes - ausência punitiva do trabalho -
'suspensão' -, ausência de salário e não contagem para fins de percepção de
outros direitos, como incansavelmente já disse.
Na verdade, o instituto da
greve no serviço público é muito parecido com uma “LIP – Licença para tratar
Interesses Particulares”, só que a LIP ainda é um pouquinho mais generosa. Em
ambos os casos não haveria trabalho, nem recebimento de salário, nem tão quanto
contagem para fins de percepção de outros direitos, ademais, nesta última, o
sujeito não é visto como um criminoso, pode viajar com as economias que juntou
- uma vez que, geralmente é algo programado -, pode sair na rua sem ser
ofendido ou ser nomeado de vários estereótipos negativos como aqueles
associados a animais silvestres do tipo 'Bradypus tridatylus', e o sujeito
ainda pode ir ao cinema, ver o jogo do time de coração, descansar em casa com
as pernas pro alto, assistindo os julgamentos do Supremo no Canal Justiça, sem
carecer participar de protestos paredistas, vestindo uma blusa preta num calor
de 40º, e ainda ciente que certamente naquele mês as contas não vão arrochar
tanto, pois você se programou.
Só quem já participou de um
movimento paredista sabe do que falo. “Grevista é tudo vagabundo!”, diz o povo,
e lá no fundinho entendo o cidadão ignorante, e tenho que com ele concordar,
afinal, raciocina comigo: se o sujeito está sem trabalhar, ninguém lhe
respeita, tem seus direitos violados, chega em casa e diz que não tem dinheiro
pra colocar comida na mesa nem pra comprar o leite dos meninos - porque está de
salário cortado -, ou esse indivíduo está desempregado ou é mesmo vagabundo! Ou
pode ainda se enquadrar numa terceira categoria: grevista ou 'Bradypus
tridatylus'. Porque não? Afinal, vivemos no país da 'hipocrisia' e da
'estereotipidez', onde toda a sociedade, aponta um dedo, enquanto os outros
quatro se voltam contra ela mesma. As pessoas, estagnadas na luta dos seus
direitos, preferem ver os seus pares também esmagados e sucateados pelo Estado,
do que tirarem os seus assentos rechonchudos das suas cadeiras e, imitando
àqueles, também lutarem pelos interesses das suas classes. Todavia, na lei da
mediocridade, é melhor que o outro não avance, do que tentar avançar junto a
este.
Inobstante isso, deixando a
crítica de lado e retornando ao ponto dos 'descontos salariais', o assunto
ainda é muito polêmico e em breve poderemos ter uma reviravolta sobre o mesmo.
Na verdade, já era para estarmos tratando disso aqui, todavia, o STF, em julgamento
de 02/09/2015, no RE 693.456/RJ - com repercussão geral - cujo relator era o
Sr. Ministro Dias Toffoli, suspendeu a sessão, adiando o referido julgamento
que visava definir se era ou não possível o desconto dos servidores públicos
referente aos dias não trabalhados por adesão a movimento grevista. Apesar de o
referido relator, ter se mostrado muito favorável aos cortes, avaliando em seu
voto, que o corte de ponto de servidores grevistas deveria sim ocorrer, haja
vista tratar-se de hipótese de suspensão, onde não havendo trabalho não há que
se falar em salário, deixou todavia, uma excepcionalidade, em casos do
movimento decorrer de ilegalidades ou abusos cometidos pelo Òrgão Público, o
qual se vincula os grevistas, situações que seriam avaliadas por decisão
judicial, por outro lado, o ministro Edson Fachin abriu divergência ao
assinalar que o desconto obrigatório dos dias parados aniquilaria na prática o
direito de greve, se mostrando mais pendente à causa dos trabalhadores
estatutários.
O que o Ministro Fachin quis
dizer é que, falar a um trabalhador “abandone a greve ou corto o seu salário!”,
seria o mesmo que pressioná-lo dizendo 'volte ao trabalho ou sua família não
comerá amanhã'!, sendo uma inequívoca coerção, portanto, que tira o escopo de
existir, na Constituição, um instituto chamado de “direito de greve”, afinal,
aparentemente só serviria para penalizar o próprio servidor e a população.
Ora, a greve no serviço
público não pode ser comparada à greve no Setor privado, isto porque no Setor
Privado se busca o lucro, e se os funcionários de uma determinada empresa
organizam uma greve, dificilmente isso persistirá além de alguns dias, vindo
logo a empresa a sentar e negociar com os trabalhadores, pois para esta há
graves prejuízos financeiros tanto na queda das vendas como na linha de
produção, devido aos dias de paralisação, todavia, no Setor Público, o Estado
não tem essa preocupação, pouco importando se a greve dure dois, três ou seis
meses, pois quem sofre as consequências não é diretamente ele, Estado, mas sim
a população que deixa de usufruir os serviços essencialmente prestados e o
servidor que, em regra, fica sem o seu salário. Contrariamente, muitas vezes o
Poder Público até usufrui algo com isso, economizando ou ganhando tempo, por
exemplo, ao deixar de pagar os servidores e beneficiários, assim pouco caso faz
muitas vezes, e a única arma que o leva a recuar é a pressão social e da mídia
gerada em torno dos transtornos causados à população. Ademais, por mais irônico
que possa parecer, geralmente os infratores de direitos são os grevistas, e os
governantes apenas posam como super heróis que estão profundamente ressentidos
com os prejuízos aos cidadãos, quando na realidade, são eles os infratores e
descumpridores das condições de trabalho que dão ensejo à abertura de uma
deflagração paredista.
Destarte toda a expectativa
gerada em torno do julgamento do RE 693.456, dessa vez a nossa Corte não bateu
o martelo, vez que o julgamento foi suspenso motivado por um 'pedido de vistas'
do ministro Luiz Roberto Barroso, que levou o processo para casa objetivando
dar uma folheada, enquanto pegaria o último capítulo das temporadas de 'Games
of thrones', e, 'Apocalipse Zumbi', também conhecido como 'the walking dead',
que já estavam para iniciar quando da ocasião da Sessão. Já o Ministro relator,
O Exmo. Sr. Min. Dias Toffoli, que de bobo não tem nada, deu algumas saidinhas
durante as discussões para pegar ao menos as partes mais interessantes dos
seriados, que estavam sendo transmitidos pelos sistemas internos de áudio
daquele Pleno, e os demais colegas que não estavam muito ligados,
principalmente por serem adeptos de seriados mais clássicos e menos violentos,
acabaram passando desapercebidos quanto ao horário. Circulam, inclusive, boatos
de que o Ministro Gilmar, fã assíduo das séries, teria ficado profundamente
aborrecido com a postura egoísta dos dois primeiros ministros que nada lhe
avisaram a respeito do horário. Ademais, nada de concreto, a não ser meras
especulações! Só quem assistiu à Sessão sabe do que falo, não passando de uma
mera brincadeira com os nossos ilustres representantes judicantes da mais alta
Corte, dos quais, aliás, nutro imensa admiração e respeito quanto ao saber
jurídico do qual são detentores.
Desse modo, o assunto ainda
promete muitas surpresas, e, por enquanto, ficamos na expectativa a respeito de
que lado deve se posicionar a Suprema Corte, inobstante isso, até então,
entendemos que permanece o entendimento no sentido de que 'não cabem descontos
salariais durante a greve', conforme grande parte dos Ministros do Supremo já
se manifestaram antes noutras ocasiões, pois isso ofenderia inclusive o próprio
escopo do exercício do direito reivindicatório, consubstanciando-se em evidente
intuito de impedir ou boicotar o livre exercício desse direito, uma vez que, é
nítido que caso se permitisse o corte do salário no interregno do exercício
grevítico se estaria a forçar indiretamente que o trabalhador abandonasse o
movimento e retornasse ao trabalho, o que também contrariaria diretamente o
teor do art. 6º, § 1ª e 2ª da Lei Paredista (7.783, de 28 de junho de 1989 –
que diz que é vedado ao empregador “adotar meios para constranger o empregado
ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do
movimento.”
Assim, se a instituição
empregadora deu causa de algum modo 'arbitrário' às reivindicações da classe,
como degradando as condições da relação laboral assumida ou do local de
trabalho, atrasando salários, alterando direitos de forma arbitrária,
assediando a classe, descumprindo o acordo anterior ou parte deste, ou mesmo
outras circunstâncias que, moral ou ilegalmente, justifiquem o movimento,
entendemos que não há o direito de a instituição efetuar os referidos cortes,
todavia, os paredistas deverão buscar esse “salvo conduto” na via judicial,
através do mandado de segurança, onde se peça brevidade no julgamento através
de um pedido liminar. Isso inclusive ocorreu na última greve do INSS, enquanto
algumas unidades de SOGP implantaram os cortes salariais, outras não o fizeram
por convicção do princípio da legalidade estrita - ao administrador só cabe
fazer o que a lei manda, e não há lei formal e material que o faça até então -,
entretanto, aquelas que o fizeram, equivocadamente, ao nosso ver,
justificaram-se em 'atos administrativos' de seus superiores hierárquicos,
ademais, posteriormente, devido às negociações do movimento paredista,
efetuaram a devolução dos valores, firmando compromisso onde, ao final da
greve, todos os dias de paralisação e os serviços não atendidos seriam
regularizados e postos em dia.
Logicamente, como dito,
ninguém deve receber sem ter trabalhado, sem ter dado a sua contrapartida, isso
é fato e não discordamos, contudo, o que quero dizer é que, encerrado o movimento
grevista, esses servidores devem ter a oportunidade de enfim fazer a reposição
dessas horas não laboradas, e só após lhes oferecido essa oportunidade, caso
não reponham esse contingente de serviço, neste caso sim, deve haver o corte
salarial, por ser o mais justo e juridicamente legal. Para os concurseiros, em
provas objetivas, se atenham à letra da lei – greve igual suspensão, igual
ausência de salário – todavia, em provas abertas, é importante a discussão,
inclusive citando ambas as correntes.
O assunto, é muito
interessante, pois, sai das teorias bibliográficas e se entrelaça na vida real
dos trabalhadores e seus familiares, portanto, bom estarmos ligados para as
próximas cartadas da Suprema Corte, que em breve deve decidir o assunto, pondo
uma pedra no sapato dos servidores (sic), digo: pondo uma pedra sobre a
discussão!
Sugerimos ainda a leitura do
teor do julgamento da Liminar concedida pelo ministro do Supremo Tribunal
Federal, Min. LUIZ FUX, na Reclamação – Rcl. Nº 16535 – onde este ordenou a
‘suspensão de decisão judicial’ que havia determinado o corte do ponto dos
professores da rede pública do Estado do Rio de Janeiro. Na ocasião, o referido
ministro ainda pontuou que a determinação do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro:
“desestimula e desencoraja,
ainda que de forma oblíqua, a livre manifestação do direito de greve pelos
servidores, verdadeira garantia constitucional”. Esta liminar foi concedida na
Reclamação – Rcl. 16535.
Sobre a matéria, e
endossando o nosso entendimento, citamos ainda o brilhante voto do Min. TEORI
ZAVASCKI, prolatado no AREsp 132109, em decisao publicada em 03/04/2012, onde o
mesmo disse que:
“é pacífico o entendimento
de que se cuida de verba alimentar o vencimento do servidor, tanto quanto que o
direito de greve não pode deixar de ser titularizado também pelos servidores
públicos, não havendo como pretender, tal qual faz o Poder Público, que o corte
dos vencimentos, data vênia, seja obrigatório, sem que se fale em retaliação,
punição, represália ou modo direto de reduzir a um nada esse legítimo direito
consagrado na Constituição da República”.
Em relação ainda à posição
da Suprema Corte Constitucional, no cenário atual, o Ministro RICARDO
LEWANDOWSKI, no julgamento de Mandado de Injunção que visava suprir a lacuna
legislativa no sentido do exercício do direito, fez história ao proferir o
fabuloso voto, em Sessão de 19/09/2007 do Tribunal Pleno, ao Julgar o “épico”
Mandado de Injunção 708-0 DF, quando de modo muito feliz argumentou:
“Trata-se de mandado de
injunção impetrado por SINTEM – SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO DO
MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA contra ato omissivo do Congresso Nacional, consistente
na falta de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos,
previsto no art. 37, VII, da Constituição de 1988. Quanto à remuneração dos
dias parados, inspiro-me na redação proposta ao art. 9º do Projeto de Lei
4.497/01, da então Deputada Rita Camata, para determinar que os dias de greve
serão contados como de efetivo exercício para todos os efeitos, inclusive
remuneratórios, desde que atendidas as exigências acima formuladas, e desde
que, após o encerramento da greve, sejam repostas as horas não trabalhadas, de
acordo com cronograma estabelecido pela Administração, com a participação da
entidade representativa dos servidores.”
Assim, até o momento e
enquanto o STF não se pronunciar no Julgamento ora suspenso do RE 693.456/RJ,
(com repercussão geral) cujo relator é o Sr. Ministro DIAS TOFFOLI, entendemos
que deve prevalecer os entendimentos acima expostos pelos ministros citados, de
modo que “durante a greve não pode haver corte salariais”, exceto por decisão
judicial que examinando o caso concreto verifique o descumprimento das
formalidades e requisitos para deflagração do movimento paredista. Fica a ressalva
que, posteriormente ao fim do referido movimento, a administração deve
organizar sistema de reposição das horas não trabalhadas, permitindo aos
servidores reporem aquelas horas desenvolvidas em prol do movimento, e caso
estes não atendam o comando público, nesse caso estarão autorizados os
descontos.
Desse modo, ao nosso ver, os
setores de Recursos Humanos ou atualmente chamados de Sessão Operacional de
Gestão de Pessoal – SOGP, tem embasamento legal para não compelirem os seus
servidores a retornarem ao trabalho sob a coação de que efetuarão corte
salarial em suas folhas, uma vez que, tal conduta poderia se configurar
inequivocadamente como típico assédio moral enquadrando-se perfeitamente nos
termos do art. 6º, § 1ª e 2ª da Lei Paredista (7.783, de 28 de junho de 1989 –
que diz que “é vedado ao empregador adotar meios para constranger o empregado
ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do
movimento.” Vale salientar ainda que, sob o prisma do 'princípio da legalista
administrativa estrita' - onde só se faz o que a lei manda - não há no atual
cenário legislativo, um 'dispositivo legal' que ordene os cortes de salário,
talvez 'atos internos dos próprios órgãos', mas ato administrativo não é lei -
fere, portanto, o princípio da 'reserva legal -, diga-se de passagem, tendo
mera função de dar fiel cumprimento aos comandos legais que assim o permitam.
Destarte, ocorrendo esse tipo de postura assediosa temos que se caracterizam
como verdadeiras ordens manifestamente ilegais, uma vez que, no atual cenário
legiferante, ainda não há um comando objetivo e tipificado sobre isso, como já
dito, na Administração Pública, se faz apenas o que a lei ordena, e não o que a
lei deixa de proibir. Lembrando que ordens superiores são 'atos administrativos'
em sentido estrito, e não lei em sentido formal e material - com aprovação
bicameral.
Por conseguinte, a respeito
das ordens manifestamente ilegais, o art. 116, IV e XII da Lei 8.112 (Regime
Jurídico dos Servidores Federais), dá o remédio: ordens ilegais devem ser
repudiadas pelos destinatários, com a devida comunicação aos setores
competentes para apurar seu conteúdo. Ainda em relação às ordens ilegais, há
fundamento para a sua não execução, todavia, o oposto não ocorre: não há como
justificar a prática de um ato praticado sem amparo legal. Não há ‘escusa de
legalidade’ em nosso ordenamento, como se sabe: a ninguém cabe descumprir o
direito, alegando que não o conhece. Em suma, os artigos citados,
consubstanciam em escudo e salvaguarda que visam a segurança dos próprios
servidores do Setor de Pessoal contra ordens que, atentam contra a sua própria
liberdade de exercício profissional. Ao administrador não cabe obedecer ordens
que lhe imputem atuar onde a lei não lhe mandou atuar, muito ao contrário, ao
administrador só cabe atuar onde, quando, e nas hipóteses estritamente
discriminadas na lei. É o princípio da estrita legalidade administrativa: o
agente público não atua dentro de um ‘vácuo de interpretação’, mas sim dentro
de uma ordenança legal positiva, e desconheço qualquer dispositivo que
contenha: “durante a greve, as faltas dos servidores envolvidos no movimento
cito, devem ser descontadas do seu salário”. Muito pelo contrário, o que temos
é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal dizendo que, até o presente
momento, só se admite o desconto se, após encerrada a greve, os dias parados
não forem compensados. Lembrando ainda que, quando falamos do princípio da
'legalidade estrita' dentro da Administração, falamos de lei em sentido
material e formal, ou seja, aquela que passou por todos os trâmites de um
processo legislativo constitucional, submetido às duas casas legislativas,
portanto, 'ato administrativo interno' ou 'norma administrativa' como
preferirem não tem o poder de gerar restrições à direito insculpidos na Carta
Magna, como o direito de greve ou mesmo o direito ao recebimento de verba
alimentar, mais conhecido como 'salário'.